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Vamos debater? A atual crise hídrica em Curitiba e reflexões sobre o Plano de Urbanização de 1943

Texto por Janelize Rodrigues.

O estado do Paraná vem sofrendo atualmente com o nível de água dos reservatórios para abastecimento, problema que já dava sinais desde Julho de 2019, quando o nível de chuvas era considerado abaixo da média. Desde 1997 o estado não sofre tanto com a falta de chuvas, o que inclusive fez com que o governador, Ratinho Jr., decretasse situação de calamidade hídrica em maio de 2020. A Sanepar, empresa que cuida do abastecimento de água do estado, precisou tomar medidas mais duras a partir de agosto do mesmo ano, quando adotou o rodízio de abastecimento para Curitiba e Região Metropolitana baseada no 36/36 horas, ou seja, regiões e bairros específicos teriam 36 horas com fornecimento de água seguidos de 36 horas sem. Apesar dos meses de novembro e dezembro terem sido marcados por grande volume de chuvas, inclusive acima da média esperada para estes meses, a Sanepar acredita que ainda será necessário manter o sistema de rodízio de abastecimento até março de 2021.

Por conta destes eventos, no mês de novembro, o governador Ratinho Jr., em parceria com a Sanepar, com a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec) e com o Instituto Água e Terra (IAT), assinou um decreto para a criação de quatro novos parques em Curitiba e Região Metropolitana, que terão como principal objetivo servir como reservatório de água para o abastecimento destas regiões. Dois destes parques estariam localizados na região de Piraquara, outro entre Piraquara, Curitiba e São José dos Pinhais e o último em Araucária. O projeto prevê um corredor ecológico de cerca de 97km que se estende ao longo do Rio Iguaçu, promovendo assim um conjunto de reservatório de águas lineares para uso da própria Sanepar. Além disso, os parques auxiliariam para a contenção de inundações, ainda muito comuns em diversas partes da cidade e também como espaço de lazer, prática de esportes e educação ambiental.


A imagem corresponde ao projeto do Parque Ambiental Piraquara, um dos quatro Parques propostos no decreto. Divulgação: AEN (Agência Estadual de Notícias).


Apesar da ideia de um corredor ecológico parecer a solução para um problema recente, como o caso da estiagem no estado, em outros momentos Curitiba já se deparou com esta ideia, partindo de uma preocupação quanto a correta utilização de seus rios e com a distribuição e preservação das suas áreas verdes. Em 1943, o arquiteto e urbanista francês Alfred Agache, seria contratado para criar o que viria a ser o primeiro plano de urbanização da cidade de Curitiba, sob a supervisão do então prefeito e engenheiro civil Alexandre Beltrão e assinado pela Empresa Coimbra Bueno & Cia Ltda, do Rio de Janeiro. O Plano Agache, como ficaria conhecido, era profundamente inspirado na Arquitetura Moderna e principalmente na importância de dividir a cidade em funções específicas.

Na época, um dos principais problemas que a cidade enfrentava e do qual o Plano Agache viria a dar forte atenção, dizia respeito ao congestionamento das regiões centrais da cidade. Como forma de solucionar este problema, Agache propôs a criação de um conjunto de avenidas perimetrais – que periferizavam e cortavam a cidade de forma linear – e outro conjunto de avenidas radiais ou de irradiação, que começavam desde o centro até as extremidades da cidade. Dentre estas avenidas, encontrava-se a Avenida Perimetral 3, também batizada por Agache de Avenida Parque, que contornava os limites da cidade na época, interligando os principais parques que, ora já existiam ou ora foram sugeridos por Agache para serem criados, ou seja, uma espécie de “cinturão verde” que contornava os limites da cidade.


A imagem é um dos desenhos originais presentes no Plano Agache de 1943, mostrando o esquema de Avenidas Perimetrais e Radias. No extremo do desenho, percebemos a Avenida Perimetral 3, também conhecida como Avenida Parque.


Além do problema relativo aos congestionamentos, na época, Curitiba sofria constantemente com as inundações, o que pode ser facilmente explicado pelo fato da cidade ter sido construída em meio a grandes bacias hidrográficas. Portanto, para Alfred Agache, a correta manutenção e a criação de novos parques e áreas verdes eram fator determinante para a diminuição das inundações, uma vez que serviria como escoamento natural das águas pluviais e também como barragens ao criar-se lagoas artificiais para este fim. Um exemplo disto foi o proposto por ele quanto ao Parque Barigui e sua extensa lagoa artificial, que também poderia ser destinada como local de veraneio, práticas esportivas e passeios de lancha e barco.

O correto saneamento dos principais rios que cortavam a cidade na época foram um dos assuntos mais debatidos no Plano Agache, visto que a falta deste saneamento acarretava enchentes e a proliferação de doenças. Ainda pouco se falava sobre construções irregulares ou invasões, em um momento em que Curitiba contava com não mais que 120.000 habitantes. Hoje, esta situação também soma-se a mais um dos tantos problemas causados pela falta de atenção aos rios que cortam Curitiba e a Região Metropolitana, uma vez que as margens e encostas de rios e outros afluentes são escolhidos como locais para a construção irregular de casas, colocando em risco a vida de seus moradores e a qualidade das águas fluviais.

Alfred Agache foi um importante urbanista para a história de Curitiba quando traz pela primeira vez debates referentes a problemas que ainda não pareciam tão visíveis na cidade, mas que já eram percebidos em metrópoles do mundo todo. Algumas de suas ideias foram implementadas nos anos seguintes – muitas delas, inclusive, sem ser dado o devido crédito ao seu criador – e outras não saíram do papel, mostrando que quanto mais o tempo passava mais os problemas urbanísticos tornavam-se outros.

Em meio a uma crise hídrica pela qual passamos, percebemos o quanto um Planejamento Urbano se torna essencial em qualquer momento de uma cidade e de que forma alguns problemas, que parecem novos, são na verdade antigos e recorrentes. Se você tiver interesse em conhecer este e outros assuntos debatidos no Plano Agache e que dizem respeito a cidade de Curitiba, faço o convite para assistirem o curso do Ciclo de Minicursos da UFPR promovido pelo Departamento de História, onde eu conto um pouco mais sobre este Plano, suas ideias e o que de fato foi implementado na cidade.

Curso “O Plano Agache de 1943 e o legado do urbanismo moderno para a cidade de Curitiba”, disponível aqui.

 

Referências Bibliográficas

AGACHE, Alfred. Plano de Urbanização de Curitiba. Boletim da P.M.C. Curitiba, Prefeitura Municipal de Curitiba, 1943.

RODRIGUES, Janelize M. D. Em busca de modernização: o legado do arquiteto Donat Alfred Agache para a cidade de Curitiba. 2010. 64 f. (Trabalho de Conclusão de Curso em História). Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010.

VICENTE, Marcos Xavier. Curitiba e região vão ganhar 4 novos parques para lazer e reserva estratégica d’água. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/parana/novos-parques-regiao-metropolitana/. Acesso em 10/01/21.

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