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RUA BARÃO DO RIO BRANCO

Fotografias: Equipe do Observatório do Espaço Público.

A RUA E SUA HISTÓRIA

Domingo, as portas do comércio estão abaixadas e são poucos os passos que tilintam nas calçadas em petit-pavê. Um ou outro transeunte se aventura pela Rua Barão do Rio Branco em um domingo à tarde, cenário completamente distinto de uma segunda-feira pela manhã, na qual os sons dos comércios, dos pedestres e dos carros se entrecruzam, confundem-se e a sonoridade dos passos individuais é completamente abafada. A mesma rua em dias e horários distintos revela a mutabilidade da paisagem urbana que como a sincronia de um relógio é irrepetível a cada instante. 

A cidade reúne a transparência e a opacidade. A transparência é sintetizada através da materialidade das construções, do pavimento que cobre a rua, das luminárias, enquanto a opacidade se expressa através das vivências cotidianas, micro-histórias que se pulverizam e às vezes, perdem-se, até mesmo para os habitantes da cidade. É o exemplo do Hotel Tassi, outrora glorioso, atualmente uma fachada em ruínas, talvez uma incógnita, para muitos dos transeuntes que por ali circulam.  

Em termos de localização, a Rua Barão do Rio Branco (antiga Rua da Liberdade) está situada na região central de Curitiba. De certa forma, é uma continuidade da Rua Riachuelo e tangencia a Praça Eufrásio Corrêa, desembocando na antiga Estação Ferroviária, atualmente Shopping Estação, na Av. Sete de Setembro. Historicamente, a outrora Rua da Liberdade surge como um prolongamento da Travessa Leitner em um contexto de modernização e expansão urbana, proporcionado pela exportação da erva-mate através da ferrovia Paranaguá-Curitiba, inaugurada em 1885. Nesse sentido, em 1880 uma comissão formada por diversos engenheiros — entre eles Antônio Ferruci, idealizador da Rua da Liberdade — determinou que a Estação Ferroviária fosse próxima ao centro, desprezando, devido à distância, a possibilidade da construção no campo do Schmidlin, atual Rodoviária de Curitiba.

Fonte: Centro de Documentação e Pesquisa Casa da Memória.

A princípio, o projeto vislumbrava um edifício de tracejado simples e com baixo valor de custo, devido à dificuldade em transportar materiais de construção para Curitiba, uma vez que as estradas eram precárias. A escadaria e a cobertura da plataforma, por exemplo, foram finalizadas apenas em 1884, quando o primeiro trem chegou à cidade, trazendo os recursos necessários para a finalização do projeto. Até 1894, a Estação Ferroviária era um prédio baixo que contava com apenas três portas, circundado por armazéns e coberto com materiais simples. No ano em questão, o projeto da Estação foi radicalmente reformulado e, sobre as fundações existentes, um novo andar foi erigido. A edificação ganhou um estilo renascentista baseado em arcos, balaustradas e um relógio no centro da fachada. Em 1885, finalmente, a Estação Ferroviária foi inaugurada transformando a pacata Curitiba em um eixo de modernização.  

No mesmo contexto, a Rua da Liberdade foi inspirada nos princípios estabelecidos pelo plano Haussmann de Paris, que objetivava interligar o centro às ferrovias, o desenvolvimento e a ordem. Portanto, o logradouro encarnou as feições dos boulevard franceses, exibindo um longo trecho pavimentado e iluminação. Localizada no primeiro perímetro urbano radial da cidade, as leis da época proibiam as construções em madeira no local e em 1905, a legislação municipal regulamentou que as futuras construções na Rua da Liberdade, deveriam ser sobrados com dois ou três pavimentos.  

A abertura da Travessa Leitner ou Rua Leitner, como era denominada no final do século XIX, em direção a estação, ocorreu concomitantemente a construção do terminal ferroviário.Leitner era o sobrenome de um alemão, proprietário de uma cervejaria, que residia na Rua XV de Novembro e posteriormente fundador do Grande Hotel. A rua recém-inaugurada, de solo ainda pouco firme, foi denominada Dr. Trajano, nome que perdurou entre 1883-1990, quando foi renomeada para Rua da Liberdade, prenome vigente até 1912, ano da morte do diplomata Barão do Rio Branco, homenageado com a renomeação do logradouro. Em função da proximidade com a Estação Ferroviária, a Rua Barão do Rio Branco desenvolveu um forte caráter comercial atrelado a produtos importados, voltados à elite curitibana. O piso inferior dos sobrados destinava-se ao comércio, enquanto o pavimento superior era habitado por famílias abastadas. Nesse sentido, segundo Andrusko (2010, p.280): “Além do expressivo casario que se formou ao longo do eixo, hotéis, residências de luxo e comércio sofisticado instalaram-se na região, criando, em termos simbólicos, um centro laico em Curitiba, separado da Praça Tiradentes”. 

O logradouro também recebeu a alcunha de “Rua do Poder”, uma vez que antes da construção do atual Centro Cívico, na década de 1950, reunia o Palácio do Congresso Provincial, o Palácio do Governo e a Prefeitura.  O antigo Palácio do Congresso Provincial foi construído entre 1891-1895, em estilo eclético, de acordo com a proposta do engenheiro Ernesto Guaita, italiano idealizador do projeto urbano denominado “Nova Curitiba”, que traçou vias perpendiculares ao redor da Rua da Liberdade, na década de 1880. Em 1963, o prédio passou a abrigar a Câmara dos Vereadores e foi renomeado para Palácio Rio Branco. A edificação foi tombada em 1978, pelo Estado do Paraná, em função do seu valor histórico. O antigo Palácio do Governo, foi construído entre 1870-1890 pelo já citado engenheiro Ernesto Guaita, e como outras obras referidas, possui características arquitetônicas pertencentes ao ecletismo, agregando elementos simétricos e ornamentações greco-romanas. Inicialmente projetado como residência para o engenheiro Leopoldo Ignácio Weiss, foi adquirido pela Fazenda Nacional um ano depois do término da obra. Em mais de cem anos de história, o prédio desempenhou funções variadas, entre elas: sede oficial do governo do Estado e residência do governador. Curiosamente, na perspectiva do geógrafo curitibano Sebastião Paraná, a edificação era: “sem a elegância e sem o fausto que deve ter a residência do chefe do governo do Estado”. Posteriormente, o prédio sediou a Secretaria de Obras Públicas, Secretaria do Interior e Justiça, Coordenação do Sistema Penitenciário (COSIPE) e, desde 1989, o Museu da Imagem e do Som do Paraná. A edificação foi tombada em 1977, conforme o Plano de Preservação lançado pela municipalidade no mesmo ano. Por fim, a Prefeitura localizava-se no entroncamento das ruas Riachuelo e Barão do Rio Branco — culminando na Praça Generoso Marques —  e a construção foi executada entre 1914-1916, de acordo com o projeto do engenheiro e Prefeito Cândido de Abreu, sendo a única tombada pelo IPHAN no Estado do Paraná. O espaço cumpriu funções legislativas até 1969, foi sede do Museu Paranaense entre 1973-2002 e atualmente está sob concessão do SESC. 

Fonte: Centro de Documentação e Pesquisa Casa da Memória.

Devido ao crescimento urbano e a consequente necessidade de transporte, em 1887 foi inaugurado o serviço de bondes puxados à mula que percorria a Rua da Liberdade até o Boulevard 2 de Julho, atual Avenida João Gualberto. Em 1911 os bondes elétricos foram introduzidos no cotidiano da cidade e finalmente em 1952, foram efetivamente substituídos pelos ônibus. A questão do transporte, juntamente com as inovações tecnológicas, foi fundamental para a reformulação do significado da Rua Barão do Rio Branco em Curitiba. A decadência da ferrovia e da erva-mate, enquanto motriz econômica, aliados a outros fatores, desconfiguraram o sentido dos hotéis, entre os mais relevantes, Hotel Tassi, Hotel Roma e Hotel São Cristóvão (posteriormente renomeado Hotel Brotto), que paulatinamente deixaram de ter hóspedes e tornaram-se ruínas, ao passo em que o comércio, outrora destinado às elites, reconfigura-se priorizando às camadas populares, movimento intensificado a partir da década de 1970, período que compreende a circulação do ônibus expresso nos dois sentidos da Rua Barão do Rio Branco. O logradouro não integra o perímetro abrangido pelo “Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba”, implantado pioneiramente na década de 1970 e a municipalidade, ao impor a passagem constante de ônibus de grande porte nos dois sentidos das vias, comprometeu a estruturação de edificações antigas, que no momento em questão, representavam o conjunto mais expressivo de tipologias arquitetônicas do final do século XIX e início do século XX em Curitiba. 

Em termos municipais, diversos imóveis da Rua Barão do Rio Branco foram considerados Unidades de Interesse de Preservação (UIP), categoria que desde de a instituição da Lei 14.794/2016, é reconhecida como patrimônio cultural de Curitiba e protegida pelos instrumentos de Tombamento, Inventário e Vigilância. De acordo com o IPPUC, vinte e um imóveis situados no logradouro em questão são considerados Unidades de Interesse de Preservação. 

A Rua Barão do Rio Branco, palco das mais diversificadas vivências, ao longo de cento e trinta e nove anos de História, sofreu diversas transformações materiais e simbólicas. No final do século XIX e início do XX, a Rua da Liberdade representava a modernidade. A proximidade com a Estação Ferroviária tornou o logradouro a porta de entrada da cidade, pela qual viajantes dos mais diversos locais formaram a primeira impressão de Curitiba. Os hotéis e comércios finos, voltados para a elite, configuraram o semblante da rua, juntamente com os prédios legislativos, coroando-a como primeiro Centro Cívico da capital.  No entanto, o perfil da Rua Barão do Rio Branco, ao longo do século XX, foi modificado em função de diversos fatores, entre eles: a decadência ferroviária e consequentemente dos elegantes hotéis, o esvaziamento do local como um centro de poder, a partir da década de 1950, com a transferência dos prédios públicos para o recém inaugurado Centro Cívico, e por fim, na década de 1970, os ônibus expressos perambulando pelos dois sentidos da via, transformaram a rua e até mesmo o propósito do comércio que adequou-se às camadas populares. Como objeto inacabado, o valor simbólico da outrora Rua da Liberdade, se constrói e reconstrói a cada dia.  

A PASSAGEM DO TEMPO

Fonte: Centro de Documentação e Pesquisa Casa da Memória e Equipe do Observatório do Espaço Público.

PERCEBENDO O ESPAÇO