top of page
IMG_20210825_101428.jpg
sem título-92.jpg

RUA COMENDADOR ARAÚJO

Fotografias: Equipe do Observatório do Espaço Público.

A RUA E SUA HISTÓRIA

A atual Rua Comendador Araújo, que vai da Praça Osório no centro de Curitiba até a Avenida do Batel, foi inaugurada em 1878 com o nome de Estrada do Mato Grosso. Nesta época, a estrada passava por todo o bairro do Batel e estendia-se até a região de Campo Largo, buscando a conexão, portanto, com a região central do Estado. No século XIX, esta estrada tornou-se importante para a economia ervateira no Paraná, uma vez que o transporte da erva mate da região centro-sul do Estado chegava em Curitiba justamente por ela, tendo como destino a região do litoral paranaense. 

 Por conta da abertura da Estrada da Graciosa em 1873, muitos empresários e ervateiros da região litorânea transferiram investimentos para a Capital ou até mesmo enxergaram a oportunidade de montar seus engenhos de erva-mate na cidade, uma vez que o mate então já beneficiado era levado para o porto de Paranaguá por meio de carroções, facilitando o processo de transporte. A Estrada do Mato Grosso, portanto, aos poucos se conectou com esta história da erva mate na cidade, sendo escolhida como local para a construção de alguns destes engenhos de erva mate. Podemos citar a Hervateira Americana [Imagem 01], pertencente ao industrial David Carneiro, e o Engenho Tibagy [Imagem 02], este localizada na Estrada do Mato Grosso, porém na região do Batel e que pertencia a Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul.  

Em 1887, a Estrada do Mato Grosso ganharia trilhos para bondes de mulas agilizando o transporte de produtos. Suas quadras passariam a ter também cada vez mais edifícios com as mais diversas funções: desde palacetes até armazéns de secos e molhados, como é o caso do Armazém Glaser [Imagem 03]. Construído em 1887 por Wenceslau Glaser, imigrante austríaco, o local vendia artigos alimentícios dos mais diversos além de produtos de ferragem, louça, alumínio, tintas, verniz e perfumaria. O Armazém também contava com um serviço de entrega em domicílios – segundo consta, alguns funcionários passavam pelas residências próximas tomando nota e posteriormente realizando as entregas. O edifício permanece até hoje no mesmo local com algumas alterações que foram realizadas no ano de 1914, comercializando hoje artigos de cristais e prataria. 

Fonte: Centro de Documentação e Pesquisa Casa da Memória.

Em fevereiro de 1894 inicia-se na Estrada do Mato Grosso a construção da Igreja Presbiteriana [Imagem 04], que foi concluída no ano seguinte pelo engenheiro Carlos Neumann. Esta Igreja representaria um passo importante para seus seguidores, uma vez que os “evangélicos” ainda não eram bem aceitos em um país de maioria católica. Além desta Igreja, outras construções que permanecem nesta rua até os dias de hoje seriam realizadas, tanto no século XIX quanto na virada para o XX. Cândido de Abreu – engenheiro que já havia sido prefeito de Curitiba entre 1892 e 1893 e que voltaria a ser anos mais tarde – projetou residências para a família Miró, importantes empresários ervateiros da época, no local onde antes localizava-se a Chácara Itiberê. Entre 1897 e 1898 o palacete de Ascânio Miró [Imagem 05], na esquina com a Alameda Presidente Taunay, já chamava muita atenção por conta da arquitetura inusitada, que transitava pelo ecletismo, com particularidades góticas e pela sua imponente torre. O edifício já foi sede de uma agência bancária e hoje encontra-se sem um uso específico.  

O irmão de Ascânio Miró, Manoel Miró, também possuía residências na rua Comendador Araújo. Uma destas, localizada na esquina com a rua Coronel Dulcídio e, também projetada por Cândido de Abreu em 1900 [Imagem 06], fora demolida na década de 1970 pelo extinto Banco Bamerindus. Outra residência que pertenceu ao ervateiro, diz respeito ao edifício localizado entre as ruas Visconde do Rio Branco e Brigadeiro Franco e que permanece com poucas alterações em sua fachada até os dias de hoje [Imagem 07]. De 1912 até 1914, a residência havia sido alugada para dar lugar a primeira sede da Universidade Federal do Paraná. Depois do término da construção da Universidade na Praça Santos Andrade, a residência deu lugar a Maternidade do Paraná, que atendia aos indigentes e ao ensino de Obstetrícia da Universidade. Atualmente no local, funciona o Shopping Omar.    

Em frente ao palacete de Ascânio Miró, na esquina com a Alameda Presidente Taunay, também encontramos outra residência que chama bastante atenção e que permanece no mesmo local, com poucas modificações. Me refiro ao palacete da Família Ross [Imagem 08] o qual não sei precisar a data de sua construção, porém que já aparece em fotografias no ano de 1905. Esta casa pertenceu ao Senhor Carlos Ross e a Sra. Adelaide Glaser Ross, que recebeu a residência como presente de casamento de seu pai, Wenceslau Glaser, proprietário do aqui já citado Armazém Glaser. O Sr. Carlos Ross foi engenheiro civil, participou da construção da estrada de ferro, além de ter participado da fundação da cidade de Matinhos. Um fato curioso sobre o engenheiro foi que no início do século este teria modificado seu sobrenome, Rossdeutscher (algo como “os Ross alemães”) para Ross. Uma teoria que se levanta para este fato, seria o motivo das constantes perseguições que os descendentes de alemães passariam a sofrer no Estado por conta da Primeira Guerra Mundial e suas consequências.  

Fonte: Centro de Documentação e Pesquisa Casa da Memória.

Tomando este mesmo exemplo sobre a perseguição aos descendentes alemães em Curitiba, podemos contar um pouco a história de outro prédio situado na Rua Comendador Araújo, que é a sede da Sociedade Thalia. A Sociedade teria sido fundada em 04 de Abril de 1882 com o nome de Verein Thalia, primeiramente com sede na Rua Matheus Leme, depois passando para a Praça Tiradentes e Rua XV de Novembro. Com a tensão gerada na Primeira Grande Guerra, o clube passou a ser observado pela polícia e o governo obrigou a sociedade a mudar seu nome e não permitiu mais nenhum documento oficial do clube redigido em língua alemã. Em 1942, a Sociedade Thalia, portanto, ganha uma nova sede na Rua Comendador Araújo, um edifício em linguagem neocolonial, expressa nos arcos plenos das portas, nos balaústres dos balcões, e nas colunas torsas das laterais do edifício.  

Outro importante edifício localizado na Rua Comendador Araújo é o que abrigou a Impressora Paranaense no início do século XX, em frente ao Palacete da Família Ross. Em 1854, assim que houve a emancipação do Paraná da Província de São Paulo, o então presidente da província, Zacarias de Góes e Vasconcelos, ordenou que fosse criada em Curitiba uma oficina tipográfica para produzir o primeiro periódico local, o que auxiliaria na divulgação dos atos oficiais do governo. O jornal ficaria conhecido como “O Dezenove de Dezembro” e a oficina tipográfica como “Typographia Paranaense”, com sede na Rua das Flores. Em 1888, com o financiamento e parceria do Barão do Serro Azul, a oficina mudaria para a Rua Riachuelo e passaria a se chamar Impressora Paranaense, começando a produzir também os rótulos das embalagens de erva-mate. Em 1897, logo após a morte do Barão do Serro Azul, a empresa foi arrendada pelo litógrafo Francisco Folch e em 1910 ganhou uma nova e moderna sede na Rua Comendador Araújo. Deste período em diante, a Impressora Paranaense passaria a imprimir grande parte dos rótulos dos produtos industrializados feitos na capital. Apesar da grande relevância histórica, em 1996 a empresa foi adquirida pela multinacional Dixie Toga que se associou à norte-americana Bemis e foi fechada em 2012. Uma parte do edifício, por sua vez, permanece ainda no mesmo local e hoje é sede do Banco Santander.  

A partir de 1895 foram criados os Códigos de Posturas em Curitiba, que eram o conjunto de leis que buscavam regulamentar as obras da cidade, promovendo o seu embelezamento, ordenamento e saneamento. O Código de 1910, colocaria a Rua Comendador Araújo como pertencente a Zona Urbana, o que traria questões específicas quanto a forma de construir nesta rua. Não seria mais permitido, por exemplo, a construção de casas de madeira e, apesar de não haver nada tão específico quanto a usos arquitetônicos nesta rua, tornou-se cada vez mais evidente o vigor econômico que a Comendador Araújo representava por conta de seus edifícios. Outros palacetes também ilustraram isso na época apesar de não mais existirem, como o caso do Palacete Weiss – na esquina com a rua Visconde do Rio Branco – e a residência da Família Schrappe, que em 1912 passou a comandar a Impressora Paranaense.  

Atualmente, a rua Comendador Araújo mantém o ecletismo quanto as suas construções e as funções dadas a estas. A rua abriga hoje, por exemplo, o prédio mais alto da cidade, o Universe Life Square de 43 andares, mas também mantém pequenos sobrados símbolo do período modernista na cidade. A variedade quanto aos tipos de comércio também chama a atenção e lembra a diversidade em seus períodos mais antigos. Muitos prédios aqui citados fazem parte da Unidade de Interesse de Preservação (UIP) que seriam imóveis, particulares ou públicos, os quais o Município tem interesse em preservar e conservar por seu significativo valor histórico, arqueológico, artístico, arquitetônico, etnográfico, natural, paisagístico ou ambiental. Os edifícios localizados entre as Ruas Desembargador Motta e Benjamim Lins já constam como Bens Tombados pelo Estado desde 2004, o que garante sua relevância histórica e seu valor como patrimônio cultural da cidade.  

A PASSAGEM DO TEMPO